Encontro reuniu especialistas em Transtorno do Espectro Autista (TEA) e profissionais responsáveis pelo acolhimento às vítimas de violência doméstica e sexual em SG e Niterói
Daniele Marinho (à frente) falou na capacitação sobre o desenvolvimento motor das crianças e adolescentes com TEA
Foto: ASCOM/NEACA TR
Cerca de 30 profissionais integrantes das equipes técnicas dos Núcleos de Atendimento à Criança e Adolescente Vítimas de Violência (NACA), em São Gonçalo e Niterói, e do Projeto Risco Social (RECRIA) participaram de uma roda de conversa para debater e refletir sobre o atendimento às crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Mediada pela fonoaudióloga Daniele Marinho e as fisioterapeutas Erika Nogueira e Renata Teixeira, a capacitação ocorreu, na manhã de quinta-feira (11/07), na sede do Movimento de Mulheres em São Gonçalo (MMSG), no Zé Garoto.
O evento foi organizado pela coordenação dos NACAs e do Projeto Recria devido ao expressivo aumento nos atendimentos a crianças e adolescentes com TEA em suspeita de violências domésticas e/ou sexuais. Segundo especialistas, o transtorno reúne desordens do desenvolvimento neurológico presentes desde o nascimento ou começo da infância. Pessoas dentro do espectro podem apresentar déficit na comunicação social ou interação social (como nas linguagens verbal ou não verbal e na reciprocidade socioemocional) e padrões restritos e repetitivos de comportamento, como movimentos contínuos, interesses fixos e hipo ou hipersensibilidade a estímulos sensoriais.
‘Temos que aproximar esse debate sobre o TEA a nossa realidade’
A gestora do MMSG, Marisa Chaves, destacou a importância da capacitação na preparação e aproximação dos técnicos dos NACAs e do Projeto Recria à temática do TEA. Segundo Chaves, a roda de conversa, que também aludiu outras neurodivergências, possibilitará a construção de novas estratégias de atendimentos e triagens, sobretudo, em casos das vítimas de violências domésticas e/ou sexuais.
“A partir de olhares e experiências dessas profissionais, no atendimento direto a crianças e adolescentes com TEA, foi possível aproximar esse debate da nossa realidade, já que recebemos casos de crianças neurodivergentes que sofreram ou estão sofrendo violência sexual e outras formas de abusos. Essa capacitação, que reúne integrantes dos NACAs e do Projeto Recria, servirá para esses profissionais identificarem os indicadores que vão sugerir a necessidade, inclusive, de encaminhamentos para realização de um diagnóstico complementar a ser feito por uma equipe multiprofissional especializada na questão do Espectro do Transtorno Autista, seja na rede pública ou privada”, ressalta Marisa
“A partir de olhares e experiências dessas profissionais, no atendimento direto a crianças e adolescentes com TEA, foi possível aproximar esse debate da nossa realidade" (Marisa Chaves)
Marisa Chaves enalteceu a capacitação ténica para preparar a equipe e aprimorar os atendimentos com suspeita de TEA
Foto: ASCOM/NEACA TR
Marcos do desenvolvimento motor
As fisioterapeutas Erika Nogueira e a fonoaudióloga Daniele Marinho destacaram a importância de se conhecer os ‘marcos do desenvolvimento motor’ como ponto de partida para direcionar os profissionais durante as abordagens. As especialistas deram dicas sobre alguns requisitos básicos no atendimento às crianças e adolescentes com suspeitas de TEA, como o hiperfoco e a rotina sensorial.
De acordo com Erika Nogueira, o desenvolvimento infantil se inicia ainda na barriga da mãe com o crescimento físico e o amadurecimento neurológico do bebê. Após o nascimento, entre 0 a 5 anos de idade, o desenvolvimento das habilidades motoras ocorre muito rapidamente. "Os marcos do desenvolvimento motor são as atividades (posturas e movimentos) que a maioria das crianças conseguem fazer em uma determinada idade. A maneira como a criança age e se movimenta oferece informações importantes sobre o seu desenvolvimento motor”, explica Nogueira.
‘Temos que evitar fechar diagnósticos prematuros’
“Os primeiros marcos motores, como controlar a cabeça, rolar, arrastar, sentar, engatinhar e andar, ocorrem principalmente nos primeiros anos de vida. As crianças com TEA gostam de rotina, repetem atividades e têm hiperfoco. Durante o atendimento, uma sala com muita informação pode deixá-los confusos e tiram elas da rotina, dificultando, por exemplo, o vínculo com o profissional, e a possibilidade de detectar uma violência ou abuso”, acrescenta Marinho, reafirmando o cuidado de se evitar fechar um diagnóstico prematuro sem o respaldo de um especialista.
"As crianças com TEA gostam de rotina, repetem atividades e têm hiperfoco" (Daniele Marinho)
Renata Teixeira ressaltou na capacitação a importância de os técnicos validarem a fala das crianças nos atendimentos
Foto: ASCOM/NEACA TR
‘É importante validar o que está sendo dito pela criança’
A fisioterapeuta Renata Teixeira enalteceu a ênfase na temática sobre o TEA, sobretudo, na capacitação de profissionais que trabalham atendendo vítimas de violências. Teixeira destacou a sensibilidade da equipe ao lidar com complexidade dos atendimentos e a necessidade de validar as falas das vítimas.
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“Estou impactada com o trabalho realizado pelos profissionais do NACA, pois, não é tão simples lidar com neurodivergências, como o TEA, no âmbito de atendimentos às vítimas de violência ou abusos. Requer uma capacitação e sensibilidade do profissional para acolher, validar as falas dessas crianças ou adolescentes e dar o apoio às famílias”, disse a fisioterapeuta.
“Estou impactada com o trabalho realizado pelos profissionais do NACA, pois, não é tão simples lidar com neurodivergências, como o TEA, no âmbito de atendimentos às vítimas de violência ou abusos" (Renata Teixeira)
‘Temos recebido um número expressivo de casos’
Para as coordenadoras técnicas dos NACAs, SG e Niterói, Lívia Gaspary e Susana Natal, a capacitação com enfoque no TEA reabre o debate e a reflexão sobre esses atendimentos às crianças e adolescentes nos projetos administrados pelo MMSG. As coordenadoras ressaltaram a relevância da capacitação aos profissionais e a dificuldade de muitas famílias em aceitar os diagnósticos, que, segundo elas, acaba criando barreiras e dificultando o manejo do atendimento.
“Temos recebido um número expressivo de casos com suspeitas de TEA. Portanto, a capacitação é fundamental para dar o suporte aos técnicos durante a abordagem e na escolha das intervenções apropriadas no momento do atendimento. Vale ressaltar, que, especificamente no NACA, temos um procedimento encurtado e na nossa avaliação interdisciplinar teremos que estar atentos, pois, em muitos casos, encontraremos barreiras como a dificuldade das famílias em aceitar os diagnósticos ou encaminhamentos profissionais”, pondera Lívia.
“Temos recebido um número expressivo de casos com suspeitas de TEA. Portanto, a capacitação é fundamental para dar o suporte aos técnicos durante a abordagem e na escolha das intervenções apropriadas no momento do atendimento" (Lívia Gaspary)
‘Estamos avançando e discutindo a melhor forma de atendimento’
“Até há pouco tempo, não tínhamos esse público específico dentro dos padrões de violência. Agora, estamos avançando e discutindo a melhor forma de atendimento às crianças e adolescentes com TEA. Precisamos estudar mais. Essa capacitação foi importante para esclarecermos alguns pontos e darmos o suporte necessário às famílias e ajudar em nossas avaliações”, acrescenta Natal.
Durante o evento, técnicos do NACA e do Projeto RECRIA propuseram novas estratégias de atendimentos e abordagens
Foto: ASCOM/NEACA TR
Construção coletiva das triagens e a escuta qualificada
A psicóloga do NACA (Niterói) Ana Carolina Videira elogiou a roda de conversa sobre o TEA e acredita na construção coletiva das fichas de triagens. “Aos poucos, nos casos de TEA, por exemplo, teremos que aprimorar as fichas de triagens, sobretudo no primeiro atendimento interdisciplinar, quando trabalhamos com as famílias”, explica a psicóloga.
A assistente social do NACA (SG), Tatiana Coutinho, aponta para novas estratégias de atendimento e na escuta qualificada. “Aqui no NACA já trabalhamos com uma escuta qualificada. Contudo, é importante criarmos novas estratégias de atendimento para acolhermos as famílias que muitas vezes não entendem do tema e não têm acesso a profissionais na rede para explicar sobre uma temática tão complexa como o TEA”, esclarece Coutinho.
“Aqui no NACA já trabalhamos com uma escuta qualificada. Contudo, é importante criarmos novas estratégias de atendimento para acolhermos as famílias" (Tatiana Coutinho)
Já a educadora social Pamela Oliveira aposta no trabalho em equipe para aprimorar os atendimentos às crianças e adolescentes que apresentam neurodivergências. “Em muito casos, quando recebemos as crianças e adolescentes com neurodivergências, percebemos que, em um ambiente lúdico, durante as atividades recreativas, eles demonstram comportamentos diferentes e fazemos intervenções rápidas para interagir e acessar o ‘mundo’ deles. Precisamos estar sempre atualizados e trabalhar em equipe, com psicólogos, assistentes socais e pedagogos, para aprimorarmos os atendimentos”, finaliza a educadora.
Autistas correm um risco ainda maior de serem vítimas de violências
Em 2020, um artigo chamado “Reflexões sobre a violência relacionada às pessoas com Transtorno do Espectro Autista” no Brazilian Journalof Health Review revelou o risco aumentado de violência com autistas, tanto como agentes quanto como vítimas. Dessa forma, autistas necessitam de programas de promoção de saúde que envolvam aspectos desde a prevenção de qualquer tipo de violência, seja psicológica, física, sexual, negligência ou abandono.
De 2011 para 2019 os casos de violência contra pessoas com deficiência passou de 3 mil para 7,6mil, de acordo com o Atlas da Violência 2021. Em 2019 foram registrados 7.613 casos de violência contra pessoas com deficiência. A violência doméstica ainda é a mais comum e 58% dos casos são causados por familiares. O número de vítimas é maior entre as mulheres, sendo 61% dos casos de violência doméstica. (Fonte: IPEA)
Núcleos atendem casos de violência doméstica e/ou sexuais
Em casos de violências domésticas e/sexuais contra crianças e adolescentes os NACAS administrados pelo MMSG atendem nos endereços abaixo, de segunda-feira à sexta, das 9h às 17h:
NACA (SG)- Rua Rodrigues Fonseca, 215, Zé Garoto. (2606-5003/989004217)
NACA (Niterói)- Av. Ernani do Amaral Peixoto, 116 - sala 401 - Centro, Niterói. (2719-8862 / 965211716)
RECRIA (SG) - Rua Rodrigues Fonseca, 303, Zé Garoto. (21 96750-1595)
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